Minimalismo.
Muito há a dizer sobre este tema, que tanto está em voga, para promover um estilo de vida mais sustentável, menos consumista e capitalista e por fim, mas não menos importante, mais emocional.
O último ano foi um desafio para todos no que toca à gestão e controlo emocional. Descobrimos muito sobre NÓS !
Nomeadamente que podemos viver sem muitas das coisas que, até então, eram consideradas imprescindíveis e sem as quais a “a vida não fazia sentido”.
Vivemos um ano sem jantares com amigos, sem visitar família que vivia noutras cidades, sem idas ao cinema, sem idas às discotecas, sem lojas, sem liberdade de poder estar na rua mais que 30 minutos por dia, já para não falar em viajar.
Se há algo de bom que podemos tirar do ano de 2020 (porque para mim, existe sempre algo de bom mesmo nos maus momentos) é que o Ser Humano tem uma capacidade incrível de adaptação. Muitas vezes pensamos que não conseguimos, pura e simplesmente porque não nos pomos à prova. O tal “sair da zona de conforto”. O ano 2020 tirou-nos à força toda da nossa “bolinha emocional e acomodativa”.
No dia 29 de Maio de 2021, realizou-se em Lisboa a primeira edição do Minimalist Travel Festival (MTF), organizado pelo Gonçalo Cruz ( Viajantes Minimalistas e @thetraveltool) pessoa que eu admiro muito, e que apesar de não ser nada “oficial” (porque ele próprio ainda se considerada um “puto” nestas andanças) é quase como um mentor para mim, e para como eu pretendo viver a minha vida.
Contudo, se ele é “um puto”… eu estou em “modo embrionário”, mas o que interessa é processo! Mudar mentalidades nem que seja um pouquinho!
Portanto, este artigo é bastante pessoal. Porém, acho que devo partilhar vocês esta “visão da vida” que, ao contrário do que muitos pensam, minimalismo não é viver com dois pares de calças, cinco t-shirts e umas sapatilhas.
Voltando ao MTF, o painel de oradores trazia viajantes experientes, alguns com 2 e 3 voltas ao mundo com a sua família de 2 e 3 filhos.
Minimalismo de A a Z
A primeira oradora – Claudia Ganhão (@claudia_ganhao) começou por fazer um enquadramento e uma dinâmica incrível com a audiência. A cada letra do alfabeto, o público dizia uma palavra e ela explicava como o minimalismo se podia encaixar nessa palavra.
Obviamente não vou aqui listar as 23 letras do alfabeto, mas sim algumas engraçadas e que me ficaram na memória.
A letra P de política, foi uma das que mais me ri, pois, basicamente é aquilo que todos nós queremos cada vez que vemos um governante a falar na TV. Ou seja, em vez de ele estar 3 horas a falar para ninguém entender, podia apenas falar daquilo que realmente importa e de um modo mais acessível.
A letra D de Dinheiro, foi outra que gostei bastante, pois desmitifica um bocado que uma pessoa minimalista não pode ser rica. Pode e há um excelente exemplo dum minimalista que toda a gente conhece – O Steve Jobs. O Steve apesar de ser multimilionário, ter uma bruta casa e passar férias com a família em resorts de luxo, era uma pessoa simples. Ou seja, apesar de ser CEO da Apple, nunca ninguém o viu de fato e gravata, porque para ele isso era desnecessário e não acrescentava valor nenhum nem para ele nem para a empresa.
A Letra L de Liberdade foi a minha preferida, e vai um bocadinho de encontro à história do Steve Jobs. Muito resumidamente na Letra L o que foi dito foi uma frase que eu adoro e, que infelizmente não sei quem foi o autor, que diz o seguinte “a espécie de liberdade que preciso não é fazer aquilo que quero, mas sim não fazer aquilo que não quero”.
Trabalhar e viajar o mundo
De seguida houve um painel com 3 oradores, para falar sobre trabalhar e viajar o mundo. Os convidados foram o Vitor Costa, o Hugo Martins e a Raquel Ribeiro.
O Vitor ( @fotoadrenalina) é líder de viagens na sua empresa e fotografo. Por isso o seu trabalho é literalmente viajar o mundo e fotografa-lo. Porém, tocou em aspectos bastante interessantes e simples, como, por exemplo, a dificuldade de convencer os seus grupos a utilizar garrafas reutilizáveis em vez de água engarrafada. Ou de darmos a vida como garantida e “ilimitada”. Deu o exemplo de que as pessoas viveriam de modo completamente diferente se os relógios funcionassem em countdown, em vez de apenas passarem as horas.
Cada dia que vivemos é um dia a menos que temos para viver.
O Hugo (@hugoomerang) é professor de Educação Física. Porém, como quase todos os palestrantes, chegou ao ponto alto da sua carreira e disse e agora? Vai ser isto mais 40 anos? Disse não. “… eu não me dou bem com o conforto…. quando estou confortável, mudo-me… tenho a necessidade constante de me desafiar” disse o Hugo. Já trabalhou como professor em vários países e como informático, desde a Austrália, passando pela China e Irlanda, entre outros. E assim que a pandemia esteja minimamente controlada pretende acrescentar mais capítulos à sua incrível jornada pelo Mundo.
A Raquel (@overtrailcom) é nómada digital e não digital. Há uns anos decidiu arrendar o seu apartamento e vive agora numa Campervan com o seu namorado onde trabalham remotamente mas também presencialmente, fazendo, por exemplo, house-sitting. Já fez voluntariado em vários países e não sabe muito bem quando vai deixar a Campervan para trás, para voltar a assentar.
Minimalismo Emocional
O último tema da manhã foi da incrível Tita Sorte (@luckytravelgirl). Um workshop sobre minimalismo emocional e não propriamente do minimalismo em viagem. O minimalismo em viagem vem por acréscimo.
Basicamente foi um exercício de interiorização, de planeamento, delinear prioridades e sobretudo gerir emoções e expectativas. E para ser sincera é um tema que aparece muitas vezes em conversas de amigos e família.
Se viajas com frequência, é garantido que já ouviste algo do género: “Boa vida, só viagens” ou “Deves ser rico, estás sempre a viajar” ou ainda “o teu trabalho deve pagar muito bem”.
Aqui a palavra, como disse a Tita e muito bem, é Prioridades! “Se a minha prioridade é viajar, eu vou prescindir de muita coisa para juntar dinheiro para viajar, certo? Se quero viajar não posso comprar roupa todas as semanas. Ou jantar fora todas as semanas ou trocar de carro a cada 5 anos, etc”
Se queres saber mais dicas de como viajar mais e melhor lê os nossos artigos Poupar para viajar e Como poupar em viagem
Outra questão debatida foi a gestão das emoções e das expectativas.
Eu que sou mulher, devem estar a ver a cara de pânico dos meus pais e amigos quando disse que ia um ano para a Austrália, sem ter nada definido, apenas um bilhete de ida. Tarântulas gigantes, cobras nas sanitas, crocodilos nas ruas, tubarões em todas as praias. O problema para eles não era “onde vais dormir ou como te vais sustentar”, era o que eles (e eu) tinham visto milhões de vezes na TV – Austrália – o País que tem 9 dos 10 animais mais mortíferos da Terra.
Só isto faz muita gente desistir de visitar a Austrália. Contudo, era ( e é ) o meu país de sonho. E contra tudo e contra todos fui… e foi o melhor ano da minha vida. O que acontece aos outros em viagem, pode não acontecer a ti! Se queres realmente ir, vai. Se der medo… vai com medo. O medo é bom… põe-nos em alerta, mas temos de aprender a geri-lo. Dos países que já visitei (16) e vivi ( 3 ) só fui assaltada uma vez – na minha cidade!
Por fim, numa era digital em que muita gente vive de “clicks” torna-se difícil não criar grandes expectativas. Muita gente viaja horas de avião para fazer fotos do instagram. E se por algum motivo não é possível tirar aquela foto que viram num instagram qualquer, a viagem fica “estragada”.
Para perceberes um pouco mais sobre este assunto, dá uma espreitadela no nosso artigo Viagens Slow Travel.
Viagens Minimalistas em Família
Provavelmente um dos temas mais aguardados, pois todos sabemos que a vida muda com a chegada de um filho (ou de dois ou até de três).
As oradoras foram a Catarina Leonardo (@Kate.wanderinglife) e a Diana Rocha (@becomingtravellers).
Ambas são mães de 2 e 3 filhos respetivamente. E embora a Catarina tenha levado a sua filha a viajar com apenas dois meses, a Diana esperou alguns anos para se aventurar.
No entanto, a sincronia era a mesma. Muita gente dizia-lhes “ai agora com filhos essa vida de viajante vai acabar” e a resposta era sempre a mesma “mas vai acabar porquê?”
Sim, é necessário fazer mudanças e adaptações, mas de todo impossível. A paciência é outra qualidade que terá de desenvolver imenso, mas é possível. Na maior parte das vezes viajam com pelo menos algum alojamento planeado, mas a Catarina já se aventurou em família apenas com o bilhete de ida.
A bagagem também tem de ser pensada e ambas concordavam que, independentemente do tempo que iam passar em viagem, a mala nunca levava mais do que 7 dias de roupa. O maior problema para a Catarina era sempre o material electrónico (máquinas fotográficas, gopros e drones), mas que mesmo assim levam apenas duas mochilas para os 4.
Para alojamento a escolha caía (maioritariamente) sobre o couchsurfing, pois era importante para ambas que os seus filhos experienciassem a cultura do país que visitavam. E nada melhor que ficar em casa de pessoas locais, partilhando refeições e historias de ambas as culturas.
Por último, e talvez e questão mais fulcral para quem tem filhos – e então a escola?
O ensino presencial não é obrigatório em Portugal, por isso a Catarina e a Diana ensinam os seus filhos durante as viagens. Não no modo tradicional que nos temos em mente (estar sentado de caderno e caneta em riste 8 horas por dia) mas fazendo actividades. No final do ano os filhos têm de fazer um portefólio e, caso o ano lectivo o exija, fazer os exames/provas.
Ambas afirmam que os filhos são perfeitamente normais e não notam nenhum atraso na aprendizagem.
No fim a palavra chave foi “descompliquem, mantenham as coisas simples”. E sim, o minimalismo é, na sua base, descomplicar.
Para saberes um pouco mais sobre viajar em familia, ve o nosso artigo 10 dicas para viajar com crianças
Catarina e Diana com a Host do Festival Michele Cascais
Cada “menos” são muitos “mais
Este tema do festival foi apresentado por dois grandes praticantes do minimalismo – o Pedro Moreira (@pedroontheroad) e o Rui Batista (@_bornfree_)
O Pedro já atravessou meio mundo de bicicleta (várias vezes) e tem 3 livros onde conta todas as suas experiencias. Já viajou do Panamá ao México à Boleia, de Portugal a África de Sul de Bicicleta e de Portugal a Singapura por Terra.
Escolheu viajar assim não por falta de dinheiro, mas porque se queria desafiar e acreditar que existem boas pessoas em todo o Mundo.
Percebeu que quem nada tem oferece-nos tudo quando somos nós os forasteiros. Contou que quando esteve na selva chegou a uma tribo e perguntou se e onde poderia montar a sua tenda. Imediatamente o chefe da tribo disse que tinha um quarto para ele.
Em meia conversa o tema passou para as fotografias, onde o Pedro disse logo que fotografia não era arte dele, que prefe escrever. Contudo é obvio que regista os melhores momentos, mas não tem necessidade de os partilhar imediatamente, nem tão pouco a necessidade de tirar fotos para o instagram.
E aqui o Rui, também disse que a fotografia não corria bem com ele. Um dia comprou uma máquina toda xpto com objectivas e tal e partiu-a passado 30 minutos a caminho do aeroporto. Desde então apenas regista momentos no telemóvel.
Este tema das fotos foi bastante discutido devido ao “problema” de muita gente agora “viajar para o instagram”. ” Se não estiver no Insta é porque não aconteceu” diziam eles em tom de bricadeira. Para ambos o importante é que ao registar esses momentos não nos esqueçamos de os viver e experienciar e sobretudo respeitar quem estamos a fotografar – “para nós é apenas um foto, para as pessoas fotografadas é todo o santo dia”
O Rui contou ainda que numa das suas viagens em grupo, no final decidiu juntar o grupo todo numa jantarada e verem as fotos que tiraram durante a viagem – “havia gente a dizer que não viu aquilo, que não se lembrava daquele sitio! É triste quando temos memórias de fotografias e não de locais”.
Pedalar em Família
Para mim o expoente máximo da palavra minimalismo foi com o João Fonseca (@joaogoncalo.fonseca). Numa conversa que fluiu como quem conta histórias para ganhar a vida, quando chegou ao fim queriamos ainda muito mais.
Tivemos ainda a agradável surpresa de contar com Valerie, a companheira de longa data do João para partilhar ainda mais algumas peripécias desta vida (em minimalismo) a 4 na estrada em duas rodas.
O João é licenciado em Matemáticas aplicadas, mas quando lhe perguntam ” o que és” ele reponde “eu sou ir”.
Podes descobrir imenso sobre as suas experiências no livro “Pedalar devagar”. Álias, este é um dos lemas da familia.
A primeira viagem de bicicleta do João foi com 16 anos de Lisboa ao Algarve. Nas férias de verão apanhava boleias para viajar pela Europa e com 16 anos já tinha trabalhado em vários sitios da Europa. Como ele diz “saia de casa com latas de atum, salsichas e pão de forma para as primeiras semanas”. O resto depois resolvia-se.
O João e Valerie conheceram-se na Turquia. Juntos percorreram África durante dois anos no fim dos anos 80. Entre Portugal e Suiça, o “poiso” não interessava. Interessava era trabalhar para começar a juntar para a proxima grande aventura. Trabalhou num restaurante, numa oficina de bicicletas, num centro de logística dos veículos a pedais entre muitas outras experiencia.
Em 96 era altura de mais uma grande viagem. O destino seria a China. Partiram da Suiça e estiveram 4 anos pela Ásia.
“Entranto veio um filho e eu tinha de a deixar na caverna e ir matar o javali. Trabalhei em inumeros trabalhos. Depois veio outro. E depois a altura de planear a proxima viagem desta vez a 4”.
O destino seria América do Sul onde estiveram pouco mais de 2 anos. Histórias hilariantes de como tiveram de construir uma canoa para para descer o Rio Napo e viver 2 meses na selva.
“Não pensem que foi tudo rosas. Houve muitas discussõess. Contudo os meus filhos desnvolveram habilidades extraordinárias e hoje são normais (penso eu), como qualquer outra criança.”
O primeiro Festival de Minimalismo em Viagem
Assim, foi um bocadinho do que se passou neste primeiro Minimalist Travel Festival. Organizado de uma forma impecável, num local minimalista (óbvio) mas rico naquilo que interessava – na partilha de experiências em viagem.
Depois de um ano sem viajar, este festival foi como um balão de oxigénio, onde voltamos a encontrar amigos e melhor, a fazer novos.
Aposto que quem esteve presente saiu de lá de coração cheio, por serem partilhadas histórias daquilo que mais gostam – Viajar!
E por isso, o próximo Minimalist Travel Festival já está planeado e vai decorrer nos dias 28 e 29 de Abril de 2022.
Se quiseres ficar a par de tudo para a próxima edição, fica atento nas redes socias Facebook e Instagram do Festival.
Nós com certeza iremos regressar!